Porque quando uma história é contada não é esquecida. Torna-se outra coisa. A memória de quem fomos. E do que podemos vir a ser.
Até parece que estão todos a gozar com a minha inocência. Mas não, não foi assim tão rápido nem eu fui devorado pelas formigas , como a imagem parece demonstrar. Vou contar o que na verdade se passou nesse dia de tropa em Maquela do Zombo, ao pé do Zaire, na década de 60.
Era mais um desses dias em que eu e os meus colegas de tropa estávamos estacionados nessa importante fronteira ao Norte de Angola por onde se acreditava que íamos ser invadidos.
A estrada larga, com postes de iluminação no meio, casas coloniais alpendradas de um lado e outro da rua, uma ou outra casa de comércio, como o fotógrafo que se vê na foto e um restaurante para camionistas comerem e beberem uma cerveja gelada. Para eles era tudo o que tinham para saciarem a fome e a sede antes de se fazerem à picada com dezenas, centenas de km de caminho, no rang-rang dos camiões a comerem a poeira .
Ao longo da fronteira, e até Santo António do Zaire, eram muitos os camiões que percorriam diariamente essas picadas. Eram carros tipo mercedes, feitos no Tramagal. Para a época, esses camiões estavam bem feitos. Tinham varias protecções contra ataques terrestres e minas - os rodados estavam protegidos com aço; havia viseiras e frinchas por onde podiamos disparar se fossemos alvo de uma emboscada e a caixa da Mercedes estava cheia de areia para amortecer o rebentamento de um desses explosivos. É claro que os picadores que íam à frente da viatura tinham um papel muito importante para que isso não acontecesse.
Eramos portanto um grupo muito coeso porque só assim é que podiamos sobreviver, ter saudade das nossas familias e pensar que eramos imortais, pelo menos durante algum tempo.
E tinhamos vontade de relembrar a vida civil.
O dia da foto foi um dos dias em que vestimos a nossa roupa civil e fomos confraternizar para a cidade. Eu precisava de comprar uns rolos de fotografias no único fotografo de Maquela ( na foto ). Depois de o fazer demos una belos passeios pela avenida até que um de nós precisou de usar uma casa de banho. "Epá, espera aí que eu tenho de ir ali !" "Olha eu também..." Fomos 4 do grupo de 5 porque tinhamos estado a beber umas cervejas. Ainda o primeiro não tinha acabado de urinar e já se estava a queixar de umas picadas nas pernas. Quando demos por ela, estavamos todos "acariciados" por uma nossa amiga - a formiga Kissonde.
Infelizmente são carnívoras, pelo que gostavam muito de ferrar na nossa carne. A única maneira de as tirar era puxar por elas o que implicava que uma parte ficava presa ao nosso corpo....
Doeu um bocado, mas no final ainda nos rimos bastante.
O Pedro foi quem riu mais, claro está . Foi o único que não usou o "WC" . O que é certo é que ele não quis urinar nesse dia e aguentou até voltarmos ao quartel....
Porque quando uma história é contada não é esquecida. Torna-se outra coisa. A memória de quem fomos. E do que podemos vir a ser.
Com especial agradecimento ao nosso cliente Luis Silva.
Comments